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| filme 7 | NOVE RAINHAS
E se a sua cidade predileta virasse um filmão?
- Espero um dia ser tão bom quanto você, mestre. Obrigado de qualquer forma, eu agradeço.
- Espere.
- O que você quer?
- Eu não, o que você quer?
- Como o que quero?
- Sobreviver, suponho.
Um trapaceiro sem escrúpulos. Um novato atolado. A cena inicial de Nove Rainhas já reúne Marcos (Ricardo Darín) e Juan (Gastón Pauls). O filme inicia ao ar livre. E segue repleto de cenas assim. Um autêntico passeio por Buenos Aires. O diretor é Fabían Bielinsky (falecido em São Paulo, precocemente, aos 47 anos). Os filmes de suspense policial marcaram a carreira do direitor. Outro muito conhecida se chama El Aura. Nove Rainhas fez uma carreira premiadíssima nos festivais internacionais (21 prêmios no total).
O enredo é simples. Dois trapaceiros de Buenos Aires tentam vender um conjunto de selos, conhecido como Nove Rainhas para um empresário espanhol, ávido colecionador. O charme iressistível fica por conta da dupla de protagonistas e das externas. Fabían usou e abusou ao mostrar sua cidade natal.
- Estão aí, mas não os vê. É disto que se trata. Estão, mas não estão. Então, cuide da sua maleta, sua valise, sua porta, sua janela, seu carro, suas economias, cuide do seu rabo. Porque estão aí e vão estar sempre.
- Ladrões?
- Não...isso é como os chamam. São marreteiros, violadores, corruptos, valentes, larápios, putas, simuladores, batedores, boêmios, escutas, arrebatadores, trombadinhas, operadores...
Lembro de uma estadia em Buenos Aires em que fui assistir a um musical, que contava a forma como a cidade foi criada, cresceu e criou sua identidade. Desde sempre cidade portuária. O típico portenho foi forjado nos galpões, carregando produtos nos ombros. Jogos, mulheres, dança e trapaças. O malandro portenho é muito mais malandro que qualquer phd brasileiro no tema, incluindo aí qualquer um que circule pela Lapa e afins.
A peça, na Calle Corrientes, foi um delícia. Típico espetáculo que não atrai turistas. Fomos eu, minha mãe, tia e prima (ambas argentinas). Que noite deliciosa. Saímos de lá e corremos para o Chiquilin, depois uma longa caminhada pelos sebos da avenida que não dorme.
- Era tão barato. Você não poderia ter comprado?
- Olha bem o que diz!
- Tá ofendido?
- Claro que posso comprar, mas também posso não comprá-lo. Como fariam todos se pudessem.
- Acredita que todos pensam igual a você?
- Como eu? Quase todos. O que ocorre é que eles não tem culhão para tanto.
Fabían Belinsky se propôs a mostrar cada canto da cidade. Lá pelas tantas, em uma das viradas do filme, aquela que conduz aos acontecimentos derradeiros, temos uma perseguição em motocicleta pelas calçadas de Puerto Madero. O local, que havia sido todo revitalizado é, hoje, um dos maiores cartões postais da cidade. As gravações foram feitas sem que houvesse interrupção do fluxo de pessoas. Muitas vezes Ricardo Darín e Gastón Pauls foram jogados entre a população e tiveram seus diálogos captados por microfones, para depois serem remasterizados em estúdio.
Para quem ama a cidade como eu, estão presentes todos os sinais. Vemos várias estações de metrô, praças e mais praças, uma tomada que nos mostra a 9 de Julio (maior avenida do Mundo). Cafés em profusão e os famosos kioskos 24 horas (onde compramos balas, chocolates, cigarros, bebidas).
Ver Nove Rainhas me remete aos lugares por onde passei e fui feliz por tantas vezes. Em que pese os trapaceiros portenhos, em que pese a arrogância e preoptência de muitos. A verdade é uma só. Eles moram em Buenos Aires, eles podem ser o que quiserem.