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| filme 48 | O ADVOGADO DO DIABO


Temos o direito de escolher! Devemos esperar as consequências.


–  Escute aqui, vou te dar algumas informações sobre Deus. Deus gosta de observar. Ele é um gozador. Pense. Ele dá instintos ao homem. Ele dá a você esse extraordinário dom, e o que faz depois? Eu juro, para a própria diversão dele, para sua própria comédia cósmica particular, ele cria regras contrárias. É a maior piada de todas. Olhe, mas não toque. Toque, mas não prove. Prove. Não engula. E, enquanto você pula de um pé para o outro, o que Ele faz? Ele fica se mijando de tanto rir. Ele é um sacana. Um sádico. Ele é um patrão ausente. Adorar isso? Nunca
– “É melhor reinar no inferno que servir no céu”, não é?
–  Por que não? Estou aqui com o meu nariz no chão desde que tudo começou. Eu nutri cada sensação que o homem foi inspirado a ter. Eu me preocupei com seus desejos e nunca o julguei. Por quê? Porque eu jamais o rejeitei, apesar de suas imperfeições. Eu sou um fã do homem! Eu sou um humanista. Talvez o último humanista. Quem, em sã consciência, poderia negar que o século XXI foi inteirinho meu? O século todo! Todo! Meu! Estou no topo, Kevin. É a minha vez agora. É a nossa vez.

Travestido de filme de terror o Advogado do Diabo é, na verdade, um filme sobre o livre arbítrio e suas consequências. Vemos na tela uma profusão de caminhos duplos e escolhas que o personagem principal deve fazer.

Kevin Lomax (Keanu Reeves) é um advogado que trabalha em uma cidade no interior da Flórida. Casado com Mary Ann (Charlize Theron), ele vive uma vida sem maiores luxos, porém é feliz ao lado da mulher. Conhecido na cidade por ser o advogado que nunca perdeu um caso. Por conta da fama que construiu ele recebe um convite para trabalhar no escritório de John Milton (Al Pacino – perfeito!), o maior da cidade de Nova York. Seduzidos pela promessa de mais dinheiro e maior status, o jovem casal aceita o convite.

- Sei que você tem talento. Já sabia antes de você chegar. Só me preocupa a outra coisa.
- Que coisa?
- A pressão. A pressão muda tudo. Existem pessoas que quanto mais pressionadas, mais se concentram. Há outras que se dobram. Consegue ter o talento quando precisa dele? O trabalho termina no prazo? Consegue dormir?
- Quando falamos de dinheiro?
- Dinheiro? Isso é o mais fácil.

A ida ou não para a cidade grande é a primeira escolha da nova vida dos Lomax. Rapidamente, Kevin se vê obrigado a mergulhar de cabeça no trabalho. Situações surgem e ele não consegue mais se afastar da nova rotina. Mais trabalho, menos convivência com a mulher. Primeira consequência de uma decisão tomada. A relação começa a sofrer um desgaste e Mary Ann inicia um processo quase irreversível de depressão.

Um dos pontos mais interessantes do filme é que os momentos de escolha são colocados de diferentes formas. Por vezes vemos as situações claramente representadas, em outros momentos aparecem sugestões. Uma cena emblemática do filme: Kevin, sua mãe e Mary Ann sobem no mesmo elevador que John Milton e mais duas mulheres. A família Lomax sai do elevador primeiro, porém John chama por Kevin e, quando somente ele está olhando, faz um convite para que ele vá até seu apartamento. No mesmo instante as duas mulheres começam a trocar carícias, enquanto John insiste no convite. A tentação não é apenas para aquela situação, mas um resumo de toda luxúria que já rodeia o jovem advogado. Sem perceber, ele é jogado (junto com a mulher) numa rede de ganância e inveja.

- Tenho de voltar, Kevin. Sinto a falta da igreja.
- Isto é Nova Iorque. Deve haver aqui umas 20.000 igrejas. É só escolher.
- Trata melhor a Mary Ann. Ela não está bem. Este lugar não é bom para ela.
- Então fique. Cuide dela, já que está tão preocupada. Ajude-me.
- Posso levá-la para casa, se você deixar.
- Esta é a casa dela. Entendeu? É aqui que moramos. Eu não volto para Gainesville. Inacreditável.
- "Larga é a porta... e espaçoso o caminho que conduz à perdição.
- É cedo para ouvir o sermão. Tenho de ir trabalhar. Faça o que bem entender.

Kevin á alertado sobre as escolhas que anda fazendo. Esse é o papel exercido pela sua mãe. A figura de uma mãe religiosa não poderia ser mais adequada. Kevin não escuta os conselhos dela, assim como todos nós não escutamos conselhos quando eles surgem dos lugares mais óbvios. Sempre procuramos conselhos em figuras misteriosas por quem nutrimos uma certa idolatria (pela posição social que ocupam, pelo sucesso que alcançaram ou simplesmente pelo dinheiro que possuem). Ouvir conselhos de uma mãe, ainda por cima “carola” da igreja? Quem nunca desdenhou de um conselho desses?

“Eu sei por que é que isto está a acontecendo. É melhor você dormir. É o dinheiro. Dinheiro de sangue. Nós dois o aceitamos. Sabíamos. Era ganhar e ficar com o dinheiro.
Sabíamos que eles eram culpados. Mas você continuava ganhando, uma depois da outra. Sou incapaz de me olhar ao espelho. Vejo um monstro.”


Cada escolha, cada livre convencimento do personagem principal não é induzido pela gama de abutres que o cerca (quando estão tomadas pelo pecado e pelos sentimentos negativos os personagens ganham feições assustadoras, por segundos). Todas as decisões são tomadas por ele mesmo. Ganância, vaidade, egoísmo etc, somos capazes de unir os piores sentimentos para convencermos a nós mesmos e aos outros. Cegos, não percebemos que o livre arbítrio é um teste, uma prova que acontece centenas de vezes durante os dias que vivemos. Para decidir certo, o segredo é antecipar os resultados em nossa cabeça. Escolher diversos caminhos e saber diferenciar os bons daqueles que foram motivados por sentimentos ruins. E, acima de tudo, é preciso saber que as más escolhas voltam para nos atormentar.

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Renata Jamús
É uma apaixonada por cinema. Foi mestre em "discursos do Oscar" na infância. Teve três ou quatro muito bons, que eram constantemente lidos para os pais babões de plantão. Os mitos hollywodianos eram como amigos da rua. Habitavam sua casa, desde sempre. | COLEÇÃO DE FILMES | FACEBOOK | TWITTER