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| filme 12 | GÊNIO INDOMÁVEL

O quê vale mais: saber tudo da vida ou saber tudo dos livros?

– Você é só um garoto. Não sabe o que está falando.
– Obrigado.
– Tudo bem… Você já saiu de Boston?
– Não.
– Se eu te perguntar sobre arte, me dirá tudo escrito sobre o tema. Michelangelo, você sabe muito sobre ele: sua obra, aspirações políticas, ele e o papa, tendências sexuais, tudo. Mas não pode falar do cheiro da Capela Sistina. Nunca esteve lá, nem olhou aquele teto lindo. Nunca o viu. Se eu te perguntar sobre mulheres, me dará uma lista das favoritas. Já deve ter transado algumas vezes, mas não sabe o que é acordar ao lado de uma mulher e se sentir realmente feliz. Você é um garoto sofrido.  Se perguntar sobre a guerra, vai me citar Shakespeare “Outra vez ao mar, amigos.” Mas não conhece a guerra. Nunca teve a cabeça do seu melhor amigo no colo e viu seu último suspiro pedindo ajuda. Se te perguntar sobre amor, citará um soneto. Mas nunca olhou uma mulher e se sentiu completamente vulnerável. Alguém que o entendesse com um olhar, como se Deus tivesse posto um anjo na Terra só para você, para salvá-lo do inferno. E você sem saber como ser o anjo dela, como amá-la, apóia-la, estar com ela sempre, em tudo… no câncer.  Não sabe o que é dormir sentado num hospital por dois meses, segurando a mão dela, porque os médicos viam em seus olhos que o termo “horário de visitas” não se aplica a você. Não sabe nada de perda, porque ela só ocorre quando você ama algo mais que a si próprio. Duvido que já tenha amado alguém assim. Olho pra você, e não vejo um homem inteligente e confiante. Só um garoto convencido e assustado. Mas você é um gênio, é inegável. Ninguém entenderia sua complexidade. Mas você acha que me conhece por um quadro e disseca minha vida. Você é um órfão, não é?  Acha que sei de como sofreu, como se sente, quem você é, porque li Oliver Twist?  Você se resume a isso? Pessoalmente estou cagando para isso, porque eu não posso aprender nada sobre você, não posso ler em nenhum livro. A menos que me conte sobre você, quem você é. Isso me fascinaria. Isso sim. Mas não quer fazer isso não é? Morre de medo do que poderia dizer. Você que sabe.

Não revia Gênio Indomável desde o final da década de 90. Mais de uma década. Foi legal me reencontrar com o filme que deu Oscars para Matt Damon e Bem Affleck (Melhor Roteiro Original), além de Robin Willians (Melhor Ator Coadjuvante). Ainda por cima revi no bluray. Qualidade perfeita!

O longo trecho, um monólogo, recitado pelo psicólogo Sean Maguire, é o tapa na cara que o “gênio indomável” Will Hunting precisava tomar. Um cérebro impressionante para a matemática, um devorador de livros de história, o rapaz é dono de uma personalidade carregada de complexo, prepotência e ressentimentos.

O dilema ser culto x ter inteligência é algo que frequetemente aparece nas questões sobre educação. Para aqueles que não são autodidatas, a erudição e formalidade podem ser adquiridas na faculdade, no mestrado ou doutorado. Já a inteligência, a perspicácia ou a presença de espírito muitos dizem que só conseguimos vivendo. Experimentando a vida. Will vê essa dualidade claramente. Por um lado, seu descobridor (um renomado professor de matemática) quer que ele siga a carreira acadêmica. Por outro, Sean (seu psicólogo) mostra que por mais importantes que os livros sejam (e todo o conhecimento que, através deles adquirimos), jamais farão você ter a plenitude do conhecimento. Somente quando sentimos temos a exata noção no completo significado daquilo que os livros nos mostram.

- Vá pra Califórnia comigo.
- Como? Como sabe?
- Sei porque......eu sinto.
- Isso é sério.
- Eu sei.
- E, se formos pra lá...e descobrir algo de mim de que não gosta... vai se arrepender de ter dito isso. É sério...não poderá voltar atrás, e ficarei preso lá com alguém que preferia voltar atrás.
- Voltar atrás? Não quero voltar atrás. Só quero que vá comigo.
- Não posso.
- Por que não?
- Primeiro, porque tenho um emprego aqui. E, segundo, porque moro aqui.
- Se não me ama...
- Não disse isso.
- Do que tem medo?
- Do que tenho medo?
- Do que você não tem medo? Vive no seu mundo seguro, com medo de fazer outra coisa, pois teria de mudar.
- Não me venha com essa. Só quer ter um caso com um cara ferrado pra depois casar com um esnobe que seus pais aprovam e contar para as outras herdeiras sua aventura no submundo.
- Por que diz isso? Por que tem obsessão por dinheiro?
- Meu pai morreu quando tinha13 anos, e herdei o dinheiro. Todos os dias, quando acordo, gostaria de poder devolver. Eu devolveria no ato se pudesse ter mais um dia com ele. Mas não posso. É minha vida, e eu aceito.

Outro tema recorrente no filme é a total negação de sentimentos que Will se força a ter. Para se poupar do abandono, por medo da perda, ele simplesmente não se envolve. Escolhe ter uma vida mediana porque com ela não necessita de riscos. Mas, a grande complexidade é que essa não é a natureza dele. Ao sufocar seus desejos, por medo, ele joga toda sua força na delinquência.

Dois sentimentos são os propulsores que mudam a cabeça do rapaz: a amizade e o amor. Na amizade com seu psicólogo, na generosidade do seu melhor amigo – que praticamente o empurra para a vida – e no amor por uma jovem que o faz enfrentar o medo do envolvimento.

Sentir e viver o sentimento é o que faz a vida ter significado Nenhuma erudição, perspicácia ou inteligência, nada disso será suficiente caso não venha repleto de entrega. Somente quando decide se abrir para o Mundo e se entregar a ele, sem medo, é que Will encontra a liberdade para se sentir em paz com o que é.
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Renata Jamús
É uma apaixonada por cinema. Foi mestre em "discursos do Oscar" na infância. Teve três ou quatro muito bons, que eram constantemente lidos para os pais babões de plantão. Os mitos hollywodianos eram como amigos da rua. Habitavam sua casa, desde sempre. | COLEÇÃO DE FILMES | FACEBOOK | TWITTER