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| filme 10 | O FILHO DA NOIVA

Você já parou, pensou e viu que estava fazendo tudo errado com sua vida? Qual foi sua reação?

- Tenho apenas um sonho. Há 20 anos tinha um monte, agora só tenho um.
- Diga lá, Belvedere.
- Veja, eu tenho 42 anos. Mesmo se realizasse um sonho por ano não daria, não completaria. Então, só posso negociar. Abandonar os sonhos da juventude e ficar com um só. Desde que se realize.
- E qual é este sonho?
- Ir à merda. Não aguento mais. Fiz tudo errado.

O Filho da Noiva marca mais um momento da dupla Juan José Campanella e Ricardo Darín. Foi a primeira produção argentina indicada ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, depois da retomada. Um pano de fundo histórico que mostra a crise econômica que nossos hermanos atravessaram durante toda a década de 90. Nesse contexto, Campanella nos convida a passear pela vida do empresário Rafael Belvedere. Dono de um restaurante familiar aberto por seu pai. Divorciado, pai de uma filha. Com uma namorada bem mais nova do que ele. Atormentado pela doença da mãe. O cara é uma bomba relógio prestes a explodir.

A primeira fez que vi o filme foi na Argentina mesmo. Foi durante uma viagem em 2002. Uma viagem feita com a intenção de permanecer por lá, fato que não ocorreu por conta da morte do meu pai. Tive que voltar. Fui para lá no estilo “ir a la mierda”, citado por Belvedere. Tive que mudar meus planos.

- Sabe o que eu não entendo? Porque você brigou com sua mãe, Rafa? Ela é divina. Você fez besteira?
- Não..estava meio perdido uns anos, mas...A merda foi quando larguei a advocacia. Aí, sim, veio a guerra. Não sei o que ela tinha sonhado pra mim, mas acho que não cumpri as expectativas. Foi horrível. Parecia que eu tinha estragado a vida dela.

É incrível como não importa a idade que tenhamos, o país que a gente viva, a classe a que pertencemos: somos sempre reflexo das projeções dos nossos pais. Passei por dilemas semelhantes aos do Rafael Belvedere. Questionei durante anos as minhas escolhas. É aquilo: quando seus pais opinam sobre o caminho que você deve seguir, somos tomados por uma repulsa imediata por este caminho.

Tive paz com minhas escolhas, quando consegui encontrar dentro do leque de opções que eu tinha aquela que me faria mais feliz. E, também, quando  parei com a necessidade de aprovação incondicional para cada decisão tomada. Comecei a bancar minhas vontade e ponto.


- Rafael, o casamento, além de ser um sacramento sagrado é um contrato, e como todo contrato tem três condições: discernimento, intenção não espúria e liberdade. Infelizmente sua mãe não tem discernimento.
- Não! Não posso dizer isso ao meu pai. Precisa ver meu pai, parece que tem 20 anos de novo.
- Se quiser posso falar com ele.
- Mas o que vai falar com ele, padre? Vai falar de discernimento para um homem que continua apaixonado depois de 44 anos? Honestamente, padre, você acredita que os 7 casais que vem casar aqui todo sábado possuem discernimento? Você não tem vontade de dizer: “Crianças, olhem bem, seu par não é tão maravilhoso assim. Você com essa cara de safado. Ela não será tão compreensiva daqui há 3 anos.” Porque não me pediu discernimento? Teria me poupado de muita desgraça. Não! Quando me casei, vítima do amor, algo que vocês traficam há 2 mil anos, me receberam de braços abertos. Dez anos depois, totalmente consciente e com um discernimento espantoso, quero me separar e vocês dizem: “Não pode!” Agora para ser católico temos que ser racionais? Minha mãe não era racional quando foi batizada. Tudo bem, mais clientes. Meu pai só quer realizar o sonho da minha mãe. É um ato de amor do qual eu não sou capaz. Olha que flor de slogan vocês estão perdendo: “44 anos de amor!” Deviam fazer um cartaz.

As histórias do Campanella sempre possuem o ingrediente AMOR. Ele já tratou do tema de diversas formas. Amor entre jovens, amor que ultrapassa anos e anos de afastamento. Amor de pai e filho. Todas as vertentes. Aqui, o amor que move as mudanças no protagonista é o que existe entre seu pai e sua mãe. Na verdade, o amor que transborda do seu pai. O amor incondicional do velho Nino pela sua Norma desperta o amor do filho Rafael pela própria vida. Com a inspiração caseira, ele começa a recuperar seus sonhos.

O amor incondicional salva Rafael de “irse a la mierda”. Muita vezes precisamos tomar uma chacoalhada para enxergar o tanto de amor que nos cerca. Ao invés de jogar tudo pro alto, basta que a gente pare e reflita um pouco.

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Renata Jamús
É uma apaixonada por cinema. Foi mestre em "discursos do Oscar" na infância. Teve três ou quatro muito bons, que eram constantemente lidos para os pais babões de plantão. Os mitos hollywodianos eram como amigos da rua. Habitavam sua casa, desde sempre. | COLEÇÃO DE FILMES | FACEBOOK | TWITTER