banner

| filme 2 | O MESMO AMOR, A MESMA CHUVA


É possível se apaixonar várias vezes pela mesma pessoa? Como domar o medo que nos consome?


- Quero te pedir uma coisa. Posso contar com você?
- Sim, pode dizer o que quiser.
- Não é isso. Quero saber se posso contar com você?
- Com certeza.
- Se você não me decepcionar, eu nunca vou te decepcionar. Você sabe que, quando eu coloco uma ideia na cabeça...

Ontem estavam na tela aqui de casa Ricardo Darín e Soledad Villamil, dirigidos por Juan José Campanella. Hoje, elenco e diretor são os mesmos. A história, porém, tem outra levada. O filme fala de Jorge, um jovem escritor argentino. Vivendo em plena época da ditadura militar. Em uma noite chuvosa, ele conhece Laura. Uma garçonete. A história dos dois percorre quase duas décadas, tendo como pano de fundo fatos históricos como a queda da ditadura argentina, a Guerra das Malvinas e a crise econômica da década de 90.
O filme fala de paixões, amor e medo. Aliás, o nosso herói é movido por ele, pelo medo.

- Onde você anda, Mastro?
- Por que? Quer me encontrar? Fique onde está! Tem coisas mais importantes que se preocupar, como o que você vai fazer da sua vida?
- Me parece que fiquei seco, vou ter que arrumar um trabalho!
- Um conselho? Faça o que você gosta!
- É essa besteira que você me fala?
- E o que você quer? Que um sonho te traga conselhos que resolvam sua vida? Não fume, não transe com qualquer uma e faça o que gosta! Você vai viver mais e melhor. Ouça a um morto!

A vida da gente é meio complicada mesmo. Você nasce, aprende a ler, ver o Mundo e, depois, começa a sonhar. Sonha tanto, sonha muito e, de repente, se vê afogado no próprio sonho. Logo logo aparecem as encruzilhadas da vida: escolher aquilo que dá paixão ou escolher algo que nos dê segurança? Sim. Geralmente é assim. Apenas alguns poucos e bons conseguem juntar os dois. E não mais que num passe de mágica, aquilo que era sonho vira lembrança...e, um belo dia, a lembrança se apaga. Soou por demais pessimista? Mas não é mentira! Acontece que ao contrário do nosso herói argentino do filme de hoje, a imensa maioria de nós é movida pelos sonhos. Então, quando um sonho se apaga tratamos logo de criar outro.


- Olha, não é uma relação como a que nós tivemos. Porque sabe...com Esteban é muito mais tranquilo. Ele respeita meu trabalho, minha vida, eu respeito muito a ele. Eu pensava que essa outra coisa, esse fogo, era o amor. Mas agora vejo que não, que é apenas fogo...te queima e nada mais. Compreendi que o amor é outra coisa que tem a ver com o carinho, compromisso, compartilhar coisas...com a segurança, com a confiança. Isso é amor. Não essa coisa adolescente de Romeu e Julieta. Isso já não me serve.

Outra coisa que fazemos sempre é criar um conceito definitivo para Amor e outro para Paixão. Somos tolos ao não enxergar que o mais interessante de tudo é tentar equillibrar os dois, em doses perfeitas. E que o grande barato disso tudo é exatamente jogar com esse equilibrio. Sempre estamos esperando confiança e segurança numa relação, mas nunca queremos nos afastar do amor juvenil – todos querem uma Julieta e todas querem um Romeu (e demais combinações).

- Você está com medo?
- Não. Estou bem grandinha.
- Eu também. Por isso mesmo.
- Eu já disse que não queria fazer mais besteiras, não disse?
- Você também disse que não estava apaixonada e que não era importante. Que o importante era o carinho, respeito, que o amor queimava você.
- Mudei de ideia. Agora, quero alguma coisa que pelo menos me chamusque um pouco. E você? Não?
- Eu? Disso eu não sei nada.
- E os maravilhosos contos de amor que escrevia?
- Era uma porcaria. Você era a única que gostava deles. Amor, heroísmo, paixão. Quem me mandou escrever sobre coisas que nem conheço? Eu deveria escrever sobre o medo. Sou perito. Por medo, faço um trabalho que odeio. Por medo, perdi você.

Amor, paixão e medo. Se olharmos bem para nossas vidas, é fácil identificar que quase tudo que nos cerca se relaciona de alguma forma com essas três palavras. Fazemos coisas por medo, deixamos de fazer muitas também. Temos medo de amar, medo de nos apaixonarmos, medo do novo, medo de ficarmos velhos, amamos alguns que nos cercam, nos apaixonamos por outros. Como lidar com isso? Talvez o melhor seja viver. Viver aquilo que temos pela frente. Uma hora a resposta do quebra-cabeças chega. Uma hora a última peça se encaixa. 
Compartilhe:
Renata Jamús
É uma apaixonada por cinema. Foi mestre em "discursos do Oscar" na infância. Teve três ou quatro muito bons, que eram constantemente lidos para os pais babões de plantão. Os mitos hollywodianos eram como amigos da rua. Habitavam sua casa, desde sempre. | COLEÇÃO DE FILMES | FACEBOOK | TWITTER