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| filme 14 | A CULPA É DO FIDEL
Você já foi influenciado?
- Por que elas não podem voltar para casa?
- Pois são comunistas!
- O que é isso?
- Filomena diz que eles são vermelhos e barbudos. Mas acho que não temem a Deus e se mudam o tempo todo. Eu fugi de Cuba, expulsa de minha casa! Agora você também, terá que abandonar sua casa! É o Fidel, ele enlouquece todo mundo! A culpa é do Fidel.
Preciso declarar abertamente aqui que minha simpatia pelo filme já veio logo no título. Colocar a culpa no Fidel parece bárbaro, não? Acompanhamos a história da menina Anna de La Mesa. Uma bem nascida francesinha que curte muito a mordomia e a vida aristocrática. Não por acaso, a primeira cena do filme nos apresenta Anna, ensinando aos amigos qual a forma “correta” de se comer uma laranja. Acontece que a vida da garotinha está prestes a mudar. O que vemos no filme já é o período em que ela se depara com uma nova ordem política e social. Anna é filha de dois militantes de esquerda.
De um dia para outro, ela se vê morando em um apartamento minúsculo, repleto de festa estranha com gente esquisita. Sua querida babá (do diálogo acima) é mandada embora para contenção de despesas e ela é proíbida de frequentar as aulas de catecismo. Mas Anna não desiste. Faz acareações com todos que a cercam. Num final de semana, coloca a avó contra a parede ao perguntar porque tantas roupas, lençois, mantas etc, não são doados para os mais pobres. Depois procura entender melhor como é esse tal discurso do “espírito coletivo”, lema dos seus pais e dos amigos barbudos.
- Eu tentei ser como a rã. Todos disseram que eram os romanos. E igual ao urso e a abelha, eu fui junto. O vovô me alertou. Não confiarei nesta história de espírito de grupo de novo!
- Não tenho certeza se eu entendi.
- Ela confundiu espírito de grupo com comportamento de ovelha. É isso, não é?
- Como sabem a diferença entre espírito de grupo e comportamento de ovelha? Vocês nunca se enganam?
Sempre fui do contra. É uma coisa que não me larga. Como cresci e fui educada em colégios alternativos, convivi durante anos com inúmeros filhos de pais dos anos de chumbo. Acho que fui uma das poucas não adeptas dos “vermelhos” em anos e anos de colégio. Isso me rendeu muito bullying mas, nessa época, tudo terminava num lanche no bar da esquina. Não foram poucos os apelidos, por conta da minha aversão ao vermelho.
Olho pra Anna e me vejo. Acontece que o movimento comigo foi inverso. Meus pais fugiram ao oba-oba de esquerda que tomou conta da América do Sul. Eu cresci, portanto, num lar apolítico. Foram meus amigos de colégio que fizeram o contra movimento dentro de mim. Se não fui influenciada pelos meus pais, também não fui pelos amiguinhos. Mas, através dos inúmeros debates, brigas e arroubos fui moldando minha consciência política e social. Não me acho melhor, nem pior. Só que o fato de não ir com a maioria e de ter um tempo só nosso para tomar decisões nos liberta um pouco. Na escala de “ver a luz”, pessoas como eu são as primeiras a ligar o “foda-se”.
- Papai, o que é "maio de 68"?
- Durante o mês de maio, em 1968, as pessoas decidiram mudar as coisas.
- Mudar o que?
- Muitas coisas. Parecido com o que está sendo feito no Chile.
- Você esteve lá, em maio de 68?
- Eu teria gostado, mas estava trabalhando.
- Você não queria mudar nada?
- Não é isto. Às vezes deixa as coisas passarem. Então é tarde demais. Aqui. Não vou demorar.
- E agora? Acha que existem coisas para mudar?
- Com certeza. Aconteceu a morte de Quino, depois Marga. Nós fomos para o Chile, e Marie decidiu escrever o livro dela.
- Então você estava errado, antes?
- Não completamente. Eu tenho uma linda família, com duas crianças maravilhosas.
- Como você pode ter certeza que não está enganado agora?
- Não estou enganado. Eu tento ajudar os outros.
A lógica da garotinha Anna é arrebatadora! Como ter certeza de uma conduta? Ninguém tem. A única coisa que importa mesmo é estar em paz com a decisão tomada. Se ela será certa ou não só o tempo dirá. Por isso que o discurso político calcado em verdades absolutas tem sempre o mesmo fim: o limbo. Não perdura. Quanto mais o tempo passa, mais escorregadio e raso ele fica. Perigoso também. Não para pessoas que pensam, mas para massas manobráveis (vou parar aqui, não estou afim de manifestos por hoje). A ideia é uma só: temos que deixar a nossa curiosidade guiar a construção do nosso pensamento, influencias bem-vindas são aquelas que nos fazem pensar e não as que inserem um chip em nossa cabeça. Anna descobriu um método próprio e conseguiu um aprendizado singular.