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| filme 19 | VALENTIN

Crianças podem ter razão?

“Mas o mais estranho de tudo, tudo, tudo, tudo que já vi, é um coleguinha que tem uma mamãe e nunca lhe fala. Ele sai, lhe entrega a pasta, e pronto. Se eu tivesse uma mamãe, eu a usaria muito mais. Ficaria o tempo todo lhe falando. Não sei. Há pessoas que têm tudo e não aproveitam. Como esse sujeito que vejo, às vezes, na esquina do bar, que toma café e lê o jornal, e só. Há pessoas que parece que não vivem, ou que a vida não lhes é útil.”

Valentin é uma co-produção Argentino-Holandesa de 2002 (parênteses abertos para agradecer pela indicação, viu Flavinha?). Foi o filme argentino indicado pelo país para concorrer ao Oscar de 2002. Não foi vitorioso, mas isso não quer dizer absolutamente nada. A história é quase uma autobiografia da vida do diretor da obra, Alejandro Agresti (no filme ele faz o pai do menino Valentin). A narrativa é simples: um menino de 8 anos que vive com a avó, depois que seus pais se separaram. O pai faz visitas esporádicas e a mãe ele nunca mais viu. Tem, apenas, um único amigo: seu vizinho Rufus – um pianista.

O grande acerto do filme é colocar todas as fichas no próprio Valentin. Ele conduz a história narrando ou dialogando com os personagens que o cercam. Não há uma cena em que o menino não apareça. O ator Rodrigo Noya que interpreta o personagem título é sensacional. A forma natural como atua é espantosa.


“Essa noite, inventei uma história para meu tio. Eu lhe disse que gostava de uma garota. Como passo o tempo todo com minha avó, quando ele vem, quero falar de coisas de homens.”

Valentin é uma criança madura. Vive cercado por adultos e se relaciona com eles emitindo opinião sobre tudo. Sabe exatamente o terreno que está pisando e não faz muito drama com a pouca sorte que teve na vida. A sua ideia, do início ao fim da projeção, é uma só: ser feliz e fazer a felicidade daqueles que ama. A perspicácia do rapaz é tanta que ele se adapta a cada situação. Cria situações para ter assunto. Um charme!

Eu era um pouco assim quando criança. Não que fosse mentirosa. Mas tentava adaptar vontades, desejos e histórias às companhias que tinha. Assim, se estava falando com pessoas mais velhas rapidamente clicava no botão “madural” e começava a debater política ou algo do gênero. Se o tema era com pessoas da minha idade, ligava o botão “criançal” e tratava de me divertir.

“Não sei se foi pelo uísque, mas nessa noite tive a impressão de que nada era como eu tinha imaginado. Para os adultos, era impossível não mentir. Todo meu mundo poderia ser diferente. Tudo que eu acreditava não era assim.”

Se meter com adultos pode gerar consequências pro resto da vida. A gente sabe que quanto mais velhos ficamos, mais comum se torna o ato de mentir. Invariavelmente os adultos já possuem uma quantidade de pequenas mentiras acumuladas, fazendo com que aquela mentirinha boboca não seja uma aberração. Até porque, nós adultos, temos a certeza absoluta que uma inverdade aqui ou outra ali não vão fazer mal. Para uma criança uma mentira é como um corte. Depois que descobre uma, a criança nunca mais volta a ser a mesma pessoa. Ela dá um passo adiante. Dependendo de como a mentira será trabalhada nela, esse momento pode marcá-la para sempre.

Valentin trabalha bem as mentiras que contam para ele. Não perde a ingenuidade, tampouco se torna um adulto antes do tempo. Permanece com suas ilusões tipicamente infantis (tão lindas!), mas tenta de todas as formas ser feliz do jeitinho que sonhou. A racionalidade que ele emprega para conseguir esse feito faz toda a diferença. Nos faz pensar se não deveriamos ter a racionalidade de uma criança de vez em quando. Sem tantos medos. Apenas chegar, planejar e tentar ser feliz. 
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Renata Jamús
É uma apaixonada por cinema. Foi mestre em "discursos do Oscar" na infância. Teve três ou quatro muito bons, que eram constantemente lidos para os pais babões de plantão. Os mitos hollywodianos eram como amigos da rua. Habitavam sua casa, desde sempre. | COLEÇÃO DE FILMES | FACEBOOK | TWITTER

Comentários (1)

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Excelente esse filme. Apenas não entendi o final. Valentin conseguiu que Rufus "ficasse para sempre" com Letícia?! Mauricio.

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