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| filme 115 | A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS


A menina de quem a Morte foi fã. 


Adaptações literárias para o cinema são sempre projetos que demandam um cuidado maior. Não foram poucas as obras que se perderam ao serem transportadas para uma linguagem completamente diferente. Quando a obra literária é um best seller a situação fica ainda mais complexa. A Menina que Roubava Livros é a obra mais famosa de Markus Zusak, um jovem escritor australiano. Vendeu mais de oito milhões de exemplares em todo o Mundo e arrebatou uma legião de fãs. A transposição para as telas de cinema era um movimento natural, mas a forma como seria feita só se tornaria conhecida na primeira projeção.

O elenco conta com talentos reconhecidos, como Geoffrey Rush e Emily Watson, além da jovem Sophie Nélisse, protagonista da história. Uma reconstituição da época (que vai do período de ascensão à queda do terceiro reich) perfeita, não muito grandiosa, já que a história se passa em uma pequena rua chamada Paraíso (diferente do livro, onde a rua se chama Himmel). Bela fotografia e esmero nos figurinos da época, além de uma trilha sonora deslumbrante, do insuperável John Williams, que com o filme conseguiu sua impressionante 49ª indicação para o Oscar. O diretor inglês Brian Percival não é um nome conhecido no cenário mundial. Ganhou muitos prêmios dirigindo curtas metragens. Uma aposta arriscada para uma obra que merecia um nome de maior peso. Brian não teve ousadia para dirigir e tampouco tentou fazer algo grandioso, épico, o que também poderia ter ocorrido. Nem lá nem cá, o que resultou num filme morno.



Evidente que seria pedir muito que toda a grandiosidade do livro e seus muitos momentos e passagens fossem explorados na tela grande. Até mesmo as peripécias da personagem principal e seu amigo Rudy fossem exibidas à ferro e fogo. Isso porque, a menina Liesel Meminger além de ladra de livros, roubava outras coisas. Mas, no cinema, esse fato resultou em omissão, muito para abrandar a classificação etária do filme, fato que pode resultar em fracasso ou sucesso de uma obra em Hollywood.

Disso tudo, a história da menina que é vendida pela mãe, juntamente com o irmão, a um casal pobre de uma cidade alemã, e é lançada no meio do momento histórico mais aterrorizador da história da humanidade, fica capenga pelos cortes feitos para que o filme tivesse apelo comercial e quantidade de horas suficiente para não cansar o espectador. Acaba que a mutilação deixou a história vazia, tanto que dos roubos de Liesel temos muito pouco. Tudo bem essa opção. Mas ela não poderia vir separada do cerne da história, dos conflitos históricos, da relação da menina com um judeu, do amor pelos livros, que fez dela quem ela se tornou depois. É uma história de como alguém consegue criar um universo paralelo à triste realidade do mundo gelado de um inverno alemão.

A tentativa de emprestar à história um caráter redentor desde o início fez com que o filme perdesse a essência do livro, que é a própria busca por uma saída. A busca de Liesel é o que movimenta o livro, não o que ela se tornaria depois. A capacidade de abstração é o que fez dela singular, até mesmo para a Dona Morte, que perde em capacidade narrativa, também vitima das mutilações do roteiro. Mirar em um épico e acertar num melodrama foi isso que Brian fez. A sorte é que teve um elenco agudo e afiado que, pelo menos, o ajudou a construir um bom melodrama. A tal história do ditado “se a vida te der limões, faça uma limonada” (ou caipirinha, para alguns) tão batida em tantos filmes. Liesel, que escolheu a vida, mesmo com a Morte espreitando o tempo todo, Liesel que fez da Morte uma fã, essa menina merecia um filme melhor.
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Renata Jamús
É uma apaixonada por cinema. Foi mestre em "discursos do Oscar" na infância. Teve três ou quatro muito bons, que eram constantemente lidos para os pais babões de plantão. Os mitos hollywodianos eram como amigos da rua. Habitavam sua casa, desde sempre. | COLEÇÃO DE FILMES | FACEBOOK | TWITTER