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| filme 117 | BOYHOOD - DA INFÂNCIA À JUVENTUDE
E se a sua vida virasse um filme?
Fazer filmes belos, sobre temas
extraordinários, em locações avassaladoras é como cozinhar um jantar com os
melhores ingredientes: o resultado final só será ruim se o "chef" for
muito fraco. Mas, fazer um lindo filme, com temas ordinariamente comuns, em lugares
inóspitos é como cozinhar um jantar com a sobra da semana, colocando, é claro,
o tempero da vovó. Foi exatamente isso que o diretor Richard Linklater
cozinhou. Um belo jantar caseiro.
Muito mais que o contexto em que o filme
foi filmado, do qual falaremos mais adiante, Boyhood é repleto de beleza onde
por vezes achamos que não existe nada. A jornada do menino Mason, filho de pais
separados, que tem na irmã Samantha seu contraponto, é cheia
de poesia e beleza no dia a dia, nos diálogos quase banais com os amigos, na
relação de final de semana com o pai e nas consequências das decisões quase
sempre erradas que a mãe insiste em tomar. O garoto é extremamente
introspectivo o que fica mais caracterizado ainda através dos oportunos takes em
que Richard exibe seu protagonista.
É marcante a forma como o diretor sente
prazer em mostrar cada traço dos seus personagens principais. A maquiagem,
quase natural para uma produção cinematográfica, tem a intenção clara de permitir
que a gente veja o crescimento e envelhecimento dos personagens. Isso porque
foram gastos 12 longos anos de filmagem para que a obra ficasse pronta e
acabada. Todo esse tempo filmando em segredo, com o mesmo elenco. Os conhecidos
Ethan Hawke
(astro da trilogia Antes do Amanhecer,
Antes do
Pôr-do-Sol e Antes da Meia-noite, todos
de Linklater) e Patricia Arquette
nos brindam com suas belas rugas ao longo do tempo e o desabrochar do menino Ellar Coltrane (uma riqueza, um achado!) e de Lorelei Linklater
(filha do diretor) se torna real nas duas horas e quarenta minutos de projeção
(ninguém sente passar). É incrível como o diretor conseguiu “esconder” duas
joias infantis por tanto tempo. As “crianças” que um dia foram Ellar e Lorelei
hoje somente existem em Boyhood. Jamais serão crianças em um filme novamente (coisas do cinema).
Para quem foi adolescente nos anos 90, o
desfile dos grandes momentos da década é farto. De lançamento dos livros do
Harry Potter ao boom das redes sociais e smartphones, está tudo lá. Mas não é o ritmo das
mudanças do mundo que marca a obra. É o ritmo de Mason. A inocência e o olhar
cheio de esperança (talvez de ver os pais retomarem a união)
paulatinamente se transforma em um olhar de dúvida e incertezas, até
encontrar uma forma de enxergar a vida por meio da arte (e profissão) que
escolhe (ou que escolhe a ele). É Mason que sempre aparece como centro das cenas
emblemáticas, e também das impressionantemente naturais cenas de passagem do
tempo. É um filme sobre o tempo, como não? Mas não sobre idade. É mais amplo. É
sobre como o tempo chega fisicamente, mais principalmente sentimentalmente. O quanto
podemos mudar em 12 anos? Fisicamente as mudanças estão lá. Estampadas na cara
e tamanho de cada ator/atriz. É, porém, na sutileza dos diálogos que repousa o
espelho que Linklater constrói das nossas vidas. Impossível não nos
identificarmos com muitas das cenas que vemos.
Um excelente fazedor de cinema dos bons e
diálogos dos ótimos nos brinda com um dos mais maravilhosos filmes sobre a
beleza do comum. E mostra que existe sim algo de infinitamente eterno e lindo
na vida de qualquer um de nós. Se a nossa vida virasse um filme, ou se
escrevêssemos o roteiro dela, o desfile de alegrias e tristezas enfrentados pelo protagonista estaria presente. Já fomos todos Mason um dia. Seguimos
sendo, afinal de contas.
[status: esperando Boyhood II – em 12 anos]