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| filme 118 | INTERESTELAR
O TEMPO QUE NOS SEPARA É O MESMO QUE
NOS UNE.
Interestelar é uma ficção? Sim. É. Dito isto o que temos nas
mais de três horas de projeção é a tentativa mais realística possível de
mostrar como a raça humana poderia ser exterminada e de quais formas poderíamos
salvar as futuras gerações. É, acima de tudo, uma ficção sobre o tempo. O tempo
subjetivo, o tempo real, o tempo fora das nossas perspectivas. O mesmo tempo
que faz filhos desistirem dos pais, ou que leva os pais a lutarem por seus
filhos, o tempo exato em que dois sentimentos se encontram. E qual o melhor
lugar para contar uma história sobre o tempo? O espaço. Essa equação que
persegue a humanidade há tantos e tantos anos. É numa fábula espacial que o
gênio Christopher Nolan desfila com maestria o roteiro escrito com seu irmão
Jonathan Nolan. Na verdade, Jonathan já havia escrito um roteiro, que foi
absorvido pelo que Christopher escreveu. É realmente um caso a ser estudado: a
genética da família Nolan.
Não bastasse a ficha técnica de direção e roteiro, temos Lee
Smith que é o editor de quase todos os filmes de Nolan, incluindo aí as geniais
edições de A Origem, Batman: O Cavaleiro das Trevas e Batman: O Cavaleiro das
Trevas Ressurge, Hans Zimmer, o premiadíssimo compositor alemão, autor da
trilha sonora de O Rei Leão (<3) e um elenco, com o perdão do trocadilho,
INTERESTELAR. Matthew
McConaughey, Anne Hathaway, Matt Damon, Jessica Chastain, Bill Irwin, Ellen
Burstyn e Michael Caine, só pra citar os mais famosos. Cinco milhões de
Oscar juntos num cast de dar inveja a qualquer Robert Altman. Estão todos
maravilhosos, e o cuidado da direção é tão legal que ninguém fica sem o “seu
grande momento” durante a projeção.
A premissa é das mais batidas: a raça humana está em vias de
extinção. O motivo é novidade. Dessa vez não é meteoro, não são aliens, não é
terremoto nem tsunami. É poeira. É falta de água. Os pulmões estão ficando
cheios de pó e aos poucos estamos todos deixando de existir. Por conta disso,
alguns escolhidos são convocados para viajar através dos “buracos de minhoca”
(atalhos que são como túneis do tempo) no espaço com a missão de encontrar um
local habitável pelos humanos do presente e do futuro. A história começa em
meio a uma fazenda, de uma cidade não muito grande. Nunca sabemos o ano em que
se passa o filme, nunca sabemos quantos somos. Essa ausência de tempo e de
espaço é uma das grandes jogadas do diretor. É sobre um tempo que passa dentro
de espaços só que eles não precisam ser tangíveis e marcados. Propositalmente
ficamos tão desorientados quanto os personagens do filme (Nolan, aliás, é um
obcecado pelo tema vide seu clássico A Origem).
O desenrolar do filme provoca mudanças em todos e apresenta
a entrada do componente mais importante: a subjetividade com que cada um trata
o tempo. Cada personagem encara as mudanças com base em teorias e importâncias
com as quais todos nós concordamos. Alguém fala algo e nós, na poltrona,
assentimos com a cabeça. Outro fala o oposto e nós, atônitos, também damos
razão. Para uns a passagem do tempo e as decisões tomadas dentro dela devem ser
motivadas por amor, para outros as probabilidades devem levar em conta dados
estatísticos pura e simplesmente (um dos grandes momentos do filme mostra um
embate de opiniões entre os protagonistas Cooper e Amelia) e para uma terceira
categoria nada deve ser levado em conta a não ser o instinto quase selvagem de
sobrevivência. Há ainda o aspecto técnico, as imagens e sequência de ação são impressionantes, tem até tsunami, mas nem é uma onda normal. É intergalática.
O tempo da razão e o tempo do coração travam uma guerra e
nós acompanhamos ambos, saltando de um galho para o outro, assim como os
personagens. É função de Murph, filha de Cooper, encontrar a chave que une
tempo e espaço, que transforma a nossa percepção, que inverte, cria e ensina
novas formas de entender como, quando e onde ocupamos nosso lugar no espaço
físico e no espaço emocional, dentro da vida das pessoas. As nuances e pequenas
revelações são inúmeras. Existem dicas que apontam o final de forma sutil
durante todo o filme. As peças que Murph vai juntando nos unem a ela e mostram
que muitas das respostas para essa equação podem estar diante de nós, o tempo
todo.