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| filme 40 | MINHAS MÃES E MEU PAI

Uma realidade ainda distante, mas com temas universais.

- Pensou em dar aquele telefonema?
- Sim, e não estou a fim.
- Como pode não ficar nem curiosa?
- Em breve irei embora, não quero lidar com isso agora. E também magoaria as mães.
- Por que se preocupa tanto com elas? Elas nem precisam saber.
- Quando você fizer 18 anos, você faz isso, tá?
- Nunca te pedi nada.

De duas formas nós podemos ver um filme como esse. A primeira é encará-lo como a tentativa de impor uma realidade, ainda que não muito aceita em nosso país. A segunda é a de enxergar o filme como uma produção que desenvolve todo o seu argumento em torno dos relacionamentos familiares.

Nic e Jules são duas mulheres casadas há 20 anos. Tiveram dois filhos através de inseminação artificial. Acontece que as crianças são curiosas para conhecer o homem que doou o sêmem que os ajudou a nascer. E é a partir da entrada em cena do Paul (vivido com maestria por Mark Ruffalo), o doador, que os relacionamentos entre mulher e mulher, homem e mulher, mães e filhos, começam a mudar. Um ponto de tensão se estabelece entre Nic (que exerce a figura do chefe de família) e Paul. Ela é controladora e tenta trazer a família no pulso firme, ele é um sujeito de bem com a vida (aparentemente), que desperta o encantamento dos “filhos” e da outra parte do casal de lésbicas, Jules.

- Está dormindo com ele, não é?
- O quê?
- Apenas seja honesta comigo. Não faça com que eu me sinta mais louca do que me sinto agora.
- De onde veio essa ideia? Eu não...
- Encontrei seu cabelo no ralo. Porque...
- Porque eu estava trabalhando, me sujei e tomei banho.
- É? E tirou uma soneca também? Está apaixonada por ele?
- Não. Não.
- Virou hetero agora?
- Não! Não tem nada a ver com isso! Me senti tão longe de você ultimamente.
- Ah, tá, então a culpa é minha?
- Não! Quem falou de culpa? Apenas me escute!
- Estou escutando! O quê?
- Eu só... eu só...Eu precisava...
- O quê? Ser comida?
- Não. Apreciada.
- É sempre o que não faço por você, não é? Certo. Eis o que não faço com você: Não resolvo meus problemas transando com outra pessoa!
- Ele não é apenas "outra pessoa".
- Não! Ele é nosso doador de sêmen. Não poderia ter escolhido uma forma mais dolorosa para me machucar!

Enquanto um filme que procura fazer um recorte histórico das novas formas de famílias na era moderna, podemos dizer que se trata de uma produção pra lá de pretenciosa e que mostra uma realidade que ainda não nos salta aos olhos. O casal de lésbicas vive uma vida que ainda não vemos por aí: são aceitas pela sociedade, aceitas pelos filhos, vivem um casamento estável, uma delas é uma médica renomada, ou seja, todos os estereótipos do “american way of live” (estilo americano de vida) estão presentes. Fiquem desprovidos de todos os preconceitos e me respondam: alguém consegue conceber uma família como essa, vivendo sem qualquer problema pelas bandas de cá? Ou até mesmo na América (que não seja naquelas cidades tradicionalmente amigáveis aos gays e lésbicas)?

“ Não é segredo sua mamãe e eu estamos em um inferno agora e...Em resumo, casamento é difícil. É muito difícil. Só duas pessoas, lutando contra os problemas, ano a ano, envelhecendo, mudando. É uma super maratona, certo? Então, às vezes, você está junto há tanto tempo, que você...Você para de ver a outra pessoa. Você só vê projeções estranhas do seu próprio lixo interno. Em vez de falar com o outro, você sai dos trilhos, age sujo e faz escolhas estúpidas, e foi isso que fiz. E me sinto péssima por isso porque amo vocês e amo sua mãe, e essa é a verdade. Às vezes você machuca aqueles que mais ama. Não sei porquê. Se eu lesse mais romances russos... Enfim... Só queria dizer o quanto lamento o que fiz. Espero que me perdoem um dia. Obrigada.”

Mas, se o curtir o filme tiver a ver com os relacionamentos e o jogo de sentimentos que eles apresentam, iremos apreciar uma ótima produção. Um casamento de 20 anos, desgastado pela falta de cuidado, filhos adolescentes, um intruso charmoso, anulação e perda da juventude - são temas universais. Quando lida com eles o roteiro acerta em cheio. São culpas, arrependimentos e mágoas comuns a todo e qualquer ser humano. É nesse momento que conseguimos ver como plausível o surgimento verdadeiro e a consolidação de famíllias alternativas como essa. Jules erra, Nic erra, Paul erra. Elas não erram porque são homossexuais e ele não erra porque é heterossexual. Quando acertam também não o fazem por conta desse fato. Erram e acertam porque são pessoas sucetíveis a isso. A forma de amar e temer é a mesma, é universal. Amor e medo não possuem gênero. São sentimentos que pertencem aos homens e mulheres. Como eu e você.

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Renata Jamús
É uma apaixonada por cinema. Foi mestre em "discursos do Oscar" na infância. Teve três ou quatro muito bons, que eram constantemente lidos para os pais babões de plantão. Os mitos hollywodianos eram como amigos da rua. Habitavam sua casa, desde sempre. | COLEÇÃO DE FILMES | FACEBOOK | TWITTER