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| filme 56 | TOMATES VERDES FRITOS
Quando a amizade é forte e verdadeira, ela surge de onde não se espera, e transforma vidas de maneira irreversível.
- Esperava que viesse. Minha colega, a senhora Otis, me disse para ficar e ver a família dela, mas agradeci, achando que teria minha própria visita, e aqui está você. Bem, sente-se.
- Obrigada.
- Donuts. Não pode ficar sem?
- Sirva-se, Senhora Threatgoode.
- Obrigada.
- Como vai sua amiga?
- Sra. Otis? Bem, não muito bem. Parece que ainda não voltarei para casa e sinto por isso. É estranho o que você sente falta quando está longe de casa. Sinto falta do cheiro de café e do bacon frito. O que eu não daria por um prato de tomates verdes fritos, igual ao que tínhamos no café.
Evelyn Couch, interpretada fabulosamente por Kathy Bates, é uma dona de casa americana, que, no inicio dos anos 1990, vive reprimida e subjugada ao marido, Ed. Evelyn sempre acompanha o esposo ao hospital, onde ele vai visitar uma tia adoentada, e lá é sempre muito maltratada. Por isso, começa a esperar pelo marido do lado de fora. Em uma dessas visitas, Evelyn conhece Ninny Threadgoode (Jessica Tandy), uma senhora já idosa, que vive internada naquele hospital e que começa a contá-la as aventuras de uma jovem nos anos 1920 e 1930, a espevitada e rebelde Idgie.
- Acho que para compreendermos Idgie, devemos voltar ao seu irmão, Buddy. Idgie era o xodó de Buddy desde o dia em que nasceu:
- Acho que para compreendermos Idgie, devemos voltar ao seu irmão, Buddy. Idgie era o xodó de Buddy desde o dia em que nasceu:
“- Já lhe falei das ostras?
- Ostras?
- Não falei das ostras?
-Não.
- Pense nas milhares de ostras lá no oceano. Então, um dia, Deus veio e viu uma delas, e disse: ‘Acho que farei esta ser diferente.’ E sabe o que ele fez? Ele pôs um grão de areia dentro dela. E adivinhe o que ela pôde fazer e as outras não?
- O quê?
- Uma linda pérola.
- E se Deus cometeu um erro?
- Bem, do jeito que imagino, Ele nunca erra. Ele assegurou que estivéssemos juntos. Ele fez com que tivesse o mais belo e mais charmoso irmão do mundo.”
O filme se constrói duplamente – duas histórias se sucedem simultaneamente. Em um retrato contemporâneo, a história de amizade que surge entre Evelyn e Ninny, que é alimentada por biscoitos feitos por Evelyn e pela história que Ninny conta, um pouquinho a cada semana. A outra história é a relatada por Ninny, segundo ela, uma aventura real da vida de uma parente. A história de Idgie, uma menina e, depois, uma mulher completamente alheia ao seu tempo, que veste calças, bebe, fuma, freqüenta lugares sujos, faz amizade com negros e pobres e convive com homens, em pleno início de século XX, nos Estados Unidos, país então preconceituoso ao limite. É também a história de Ruth Jamison (Mary-Louise Parker), primeira namorada de seu irmão, Buddy (Chris O'Donnell), e, com o tempo, sua melhor amiga, companheira de vida e também sócia no restaurante onde vendem o prato tão comum do sul do país: tomates verdes fritos.
A maneira com que Ninny fala de Idgie, de sua personalidade forte, de seus desejos, de sua maneira única de ver o mundo vai, de semana a semana, condicionando Evelyn a confiar mais em si mesma. Tomando para si as rédeas de sua vida, começa a se impor perante o marido, a ser mais firme em seus desejos e vontades e, sobretudo, a se amar mais como mulher, agora sob o alter ego chamado “Towanda”. Idgie se torna uma espécie de amuleto na vida de Evelyn, e a inspiração que ela pretende seguir.
- Nunca perdi a razão, Sra. Threatgoode, nunca. Pela minha criação, isso é falta de educação. Bem, perdi a razão e senti-me ótima. Senti que podia bater naquelas picaretas – desculpe-me as palavras – bater até esmigalhar, bater até pedirem piedade. Towanda, a vingança. E depois eu exterminaria todos os picaretas do mundo, como os homens que batem nas esposas, como Frank Bennett, e atiraria em seus órgãos genitais. E Towanda continuará com isso. Porei bombinhas na Penthouse e na Playboy, assim explodirão ao abrir a revista. Banirei todas as modelos que forem magras. Vou pesar menos de sessenta quilos e darei metade do orçamento militar para as pessoas co m mais de 65 anos. E vou declará-las sexualmente atraentes. Towanda, a reparadora dos erros, a rainha sem comparação.
- Quanto hormônio está tomando, querida?
À princípio, o grande elo entre as duas histórias vai além do fato de Ninny ser a narradora de uma e personagem da outra. Ambas têm como assunto principal amizades profundas entre mulheres. Amizades que às vezes transpõe a barreira do individualismo, e a história de uma se mescla a da outra, e o que constroem, à partir de então, é uma vida em conjunto. Assim como Evelyn é a amiga que distrai e preenche o tempo de Ninny, Ninny é quem mostra a Evelyn seu potencial enquanto mulher. Da mesma forma, Idgie é quem salva vida de Ruth, tirando-a das garras de um marido violento. E Ruth retribui enchendo a vida de Idgie de motivos de felicidade, e compartilhando com ela a criação de um filho. Há quem diga que o segundo caso sugira um amor homossexual, mas isso não é o que dita o tom: o filme fala mesmo de amor enquanto companheirismo, amizade.
- Faria uma coisa pra mim?
- Qualquer coisa.
- Seja boa consigo mesma. Mesmo se... Fique calma até mesmo se encontrar alguém que derrote-a no pôquer.
- Há tanta coisa que quero lhe dizer.
- Não. Adoro suas histórias. Conte-me uma de suas histórias, Idgie. Vamos, encantadora de abelhas. Conte-me uma fábula. Conte aquela do lago.
Um filme de histórias lindas, de muito carinho e de, sobretudo, uma visão feminina do mundo e das relações. A idéia de que toda relação envolve troca, de que em todo momento muito se dá e muito se recebe. Fica então a questão para avaliarmos: será que somos inteiros em nossas relações? Será que nos damos, sem esperar nada em troca, aos nossos amigos e amores? O que recebem de nós é suficiente ou estamos sempre censurando o que podemos ou não fornecer? Acho que a resposta é mais do que simplesmente dizer sim ou não, é comprometer-se a ser por inteiro, até o final.