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| filme 90 | UM CONTO CHINÊS

Se você está depressivo, dê abrigo para um Chinês. Vai passar!

O cinema feito na Argentina produz de tudo. Filmes de arte, independentes, comerciais, comédias, aventura, fantasias, românticos etc. Quase todos, quase sempre, mostrando a cidade de Buenos Aires, ou lugares importantes da história do país. Nenhum deles deixa de exaltar o que há de bom no traço bem peculiar do povo, tampouco de falar sobre mazelas e coisas que não dão certo pelas bandas de lá.

Sebastian Borensztein é o diretor desta comédia dramática que conta a história de como o acaso na verdade nunca é acaso. Roberto, abrimos aspas para falar do “sensacional Ricardo Darín”, é um adulto metódico, solitário, turrão, ranzinza, porém deliciosamente doce quando o calo dos outros aperta, além de ter um humor negro de primeira. A mãe morreu quando jovem (e Roberto estranhamente cultua sua progenitora num altar, onde coloca um presente sempre que ela “faz aniversário”) e o pai pouco tempo depois. Roberto é o tipo de pessoa que conta quantos pregos existem na caixa, para saber se a informação é fidedigna, ou que dorme todo dia no mesmo horário (23:00h). Pois bem, ele acredita piamente que o acaso é que comanda a vida das pessoas. Por conta disso, coleciona histórias impossíveis de acreditar – compra jornais de várias localidades para achar relatos fantasiosos, porém reais, sobre a vida de gente que não conhece.

Um belo dia, quando está sentado perto de uma pista do aeroporto de Buenos Aires, um chinês é jogado de um táxi e cai diante dos seus olhos. O rapaz, de nome Jun, não sabe falar uma única palavra em castelhano, além de não entender nada. O jovem chinês saiu do seu país depois que uma tragédia inacreditável se abateu sobre sua vida: no momento em que ia pedir a mão de sua noiva uma vaca caiu do céu exatamente em cima da sua amada. Sem motivos para permanecer em sua cidade ele vem tentar vida nova em outro país, e, para isso, precisa encontrar seu tio. O périplo que une o ranzina Roberto e o doce Jun é o que comanda a história. E é nessa busca que o acaso deixa de ser acaso e acaba transformando a vida de ambos.

Cena preferida: Jun descobre o Doce de Leite argentino!
Um bom número de cenas interessantes aparece no filme. A sequência inicial, da vaca caindo do céu é excelente. Em outro momento, dentro de uma delegacia, Roberto dá uma lição de moral em um dos policiais – “duro é ter que ver uma servidor público me tratando desta maneira”. Lá pelas tantas, em plena embaixada da China, ele vocifera: “bilhões e bilhões de chineses no Mundo e não existe um para me atender?”. Ainda há uma das sequências mais legais, em que Roberto apresenta o doce de leite argentino para Jun. Ele diz: “prove, se chama doce de leite, vocês se esqueceram de inventar isso, então, nós argentinos, inventamos. É o melhor do Mundo”. Pode ser mais argentino? Uma bossa super interessante é que o diretor preferiu não traduzir nenhuma fala em chinês. Nós ficamos tão perdidos quanto Roberto. Quando ele precisa entender algo (e nós também), surge alguém que fala a língua e nos esclarece tudo.

Se o famoso Juan Jose Campanella (do antológico O Segredo dos Seus Olhos) é O Diretor do cinema argentino moderno, Ricardo Darín é O Rosto. Está perfeito! Ignacio Huang é Jun e empresta para ele toda a capacidade de interpretar sem falar. Ainda mais porque Jun é um sujeito contido, introspectivo. Interpretar alguém que quase não fala durante o filme, que é tímido (portanto, de poucos gestos) e ainda assim nos emocionar é sinal de muito talento. Nascido em Taiwan, o ator desenvolveu toda a carreira artística na Argentina.  

Um Conto Chinês é um daqueles filmes que nos abraça, e nos leva para um lugar só dele. Depois somos devolvidos com um sorriso no rosto!
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Renata Jamús
É uma apaixonada por cinema. Foi mestre em "discursos do Oscar" na infância. Teve três ou quatro muito bons, que eram constantemente lidos para os pais babões de plantão. Os mitos hollywodianos eram como amigos da rua. Habitavam sua casa, desde sempre. | COLEÇÃO DE FILMES | FACEBOOK | TWITTER